Polillas

A Jorge Pieiro

Fondo del ser, ¿cuál será? ¿Qué nobles escombros
se enorgullecen de la llanura de sus derrames?
¿Qué cicatrices engendra el delirio en el espejo?
¿Lo que fue, lo que somos, tenemos aceptado, cuerpos
cayendo en círculos, miseria desencontrada,
ríos de mármol, párrafos en sollozos,
bautismo de aquello que vemos, lo que nos toca?
Mancha que afirma el crimen en la oculta criatura
que nos persigue, deforma, ímpetu de la forma
que la piedra respira en el canto, a repetirse
no siendo más que lágrima, orina, orfandad
de arena guardada en el verso, torpe memoria,
¿qué sombras roen, al caer del espejo,
la memoria en sollozos de lo que aún vemos?


Traças

A Jorge Pieiro

Fundo do ser, qual será? Que nobre entulho
orgulha-se da soalheira de seus derrames?
Engendra quais cicatrizes o delírio no espelho?
O que for, o que somos, temos aceito, corpos
caindo em círculos, miséria desencontrada,
rios de mármore, parágrafos em soluços,
batismo daquilo que vemos, o que nos cabe?
Nódoa que afirma o crime na oculta criatura
que nos persegue, deforma, ímpeto da forma
que a pedra respira em canto, a repetir-se
não sendo mais que lágrima, urina, orfandade
da areia guardada no verso, torpe memória,
quais sombras roem, ao caírem do espelho,
a memória em soluços do que ainda vemos?
Desramadas as imagens, olhos sem templos,
perde-se a alma em quê? Além não vai o homem
do orgulho da pena. Ingênuo o ar da troça,
corroendo a matéria já desfeita em si. Exaustos
dramas engodos afrescos do inferno os versos
lentos. Dentro do que pude vê-los, quantos
lidam com a lenda que inspeciona o caos?
Estamos desaparecendo, dos lábios julgo haver
ouvido de uma delas. O que são? Névoas
da ramagem, o que faz com que caiam em si
e se desfaçam. Também os sentidos decaindo
hostilizam a própria queda. O que seremos,
naquilo que roemos? Tábuas ossos ramos,
ao menos um livro além de toda melancolia.


Delante del fuego

Mi padre envejecido delante del fuego,
árbol no más resguardado en temblores.
Oh dulce tiniebla, ¿tu edad se extingue
para siempre? ¿Qué oscuro cántico
separa al hombre del júbilo de su muerte?
Tierra y hombre delante del fuego, niebla
la voz de las cenizas. La lengua no puede
contener su imagen derramada en cal.
Mi padre, con su pesado cuerpo ajeno
al tiempo, parece haber desnudado
el infierno, aprendido las palabras con que
se hace el abismo descarnar. Rodeado
por ávida quietud, el fuego, eterno súbdito
de impiedades, rige la mirada del muerto.


Diante do fogo

Meu pai envelhecido diante do fogo,
árvore não mais guardada em tremores.
Oh doce treva, tua idade se extingue
para sempre? Que obscuro cântico
afasta o homem do júbilo de sua morte?
Terra e homem diante do fogo, névoa
a voz das cinzas. A língua não pode
conter sua imagem derramada em cal.
Meu pai, com seu pesado corpo alheio
ao tempo, parece haver desnudado
o inferno, aprendido as palavras com que
se faz o abismo descarnar. Rodeado
por ávida quietude, o fogo, eterno súdito
de impiedades, rege o olhar do morto.


Secc. xx: Secretas ruinas

A Sérgio Lima

Estruendos del lenguaje repercuten confusos.
Entre nosotros nada soporta su propio centro,
no tiene expansión y sí degeneración.
Ruidos
de una relojería fantasma, bagazos del tiempo.
Todo lo que somos está fuera de su lugar,
festín de simulaciones, sistema sin principio.
Rigor único de la decadencia, ningún manifiesto
contra la ciencia del ser y su mordaz idolatría.
Abolidos los diarios del espíritu, se vuelve
virtual la historia, víctima de su propia ilusión.


Séc. xx: Secretas ruínas

A Sérgio Lima

Estrondos da linguagem repercutem confusos.
Nada entre nós suporta seu próprio centro,
não há expansão e sim degeneração.
Ruídos
de uma relojoaria fantasma, bagaços do tempo.
Tudo o que somos está fora de seu lugar,
festim de simulações, sistema sem princípio.
Rigor único da decadência, nenhum manifesto
contra a ciência do ser e sua mordaz idolatria.
Abolidos os diários do espírito, torna-se
virtual a história, vítima de sua própria ilusão.


Hécate

Olvidamos el mito, que somos cien
y que todo está por detrás del nombre.
Nos recostamos sobre el dorso de Dios.
Sus imágenes disformes hojeamos,
la nobleza resignada de sus criaturas.
Estamos todas allí en medio de las páginas
de una anónima escritura, quietas.
Se inclina el verbo frente al umbral
de las ofrendas: el culto deforma el mito.


Hécate

Esquecemos o mito, que somos cem
e que tudo esteja por trás do nome.
Recostamo-nos sobre o dorso de Deus.
Suas imagens disformes folheamos,
a nobreza resignada de suas criaturas.
Estamos todas ali em meio às páginas
de uma anônima escritura, quietas.
Curva-se o verbo diante do alpendre
das oferendas: o culto deforma o mito.


Ocurrencias

Al escultor Fernando Casás

Parte de lo que somos nos recuerda tan sólo
si un accidente le importa: pórtico
redecorado por polillas o sátira del azar
al reinscribir al hombre en su trayecto.
Parte de lo que somos solamente el desgaste
reaviva: proeza concreta de carcomidos
ciclos de la humanidad enclavada en nosotros.
Nudos de la memoria, rasgos, erosiones del alma:
larga jornada de la descomposición, hasta que
reescriba su nombre destinado a pudrirse.


Ocorrências

Al escultor Fernando Casás

Parte do que somos somente nos recorda
se um acidente lhe importa: entrada
redecorada por cupins ou sátira do acaso
a reinscrever o homem em seu trajeto.
Parte do que somos somente o desgaste
reaviva: proeza concreta de carcomidos
ciclos da humanidade encravada em nós.
Nós da memória, rasgos, erosões da alma:
longa jornada da decomposição, até que
reescreva seu nome destinado a apodrecer.


Detrás de la memoria

Resplenda un mito, su nombre vago.
Manchas del ser, hollín, contemplación.
reino fugaz de formas, fulgor mutante.
Su sombra concentrada en la memoria
define la cartografía del abismo, la caída
abismada por el equívoco de la materia.
Archivo de sombras, celos y engaños,
la imagen le duplica la hora de cuerpos,
errancia fantasmagórica de conceptos.
No importan Klee o Bacon, anotaciones
sutiles del asombro. De su propia cauda
cuida la memoria, Uroboros regurgitada
en cada enfrentamiento con la materia del ser.


Por trás da memória

Resplenda um mito, seu nome vago.
Manchas do ser, fuligem, contemplação.
Reino fugaz de formas, fulgor mutante.
Sua sombra concentrada na memória
define a cartografia do abismo, a queda
abismada pelo equívoco da matéria.
Arquivo de sombras, zelos e fraudes,
a imagem duplica-lhe a horda de vultos,
errância fantasmagórica de conceitos.
Não importa Klee ou Bacon, anotações
sutis do assombro. Da própria cauda
cuida a memória, Uroboros regurgitada
a cada confronto com a matéria do ser.


El notario

Un nombre para las partes de tu cuerpo que emiten fuego,
otro para el rostro que se cubre de tus flamas.
Un nombre que sea para el guía de tus piernas fluctuantes,
y otro más para los campos que evitan tu morada.
Todos estarán felices con sus nombres. Unos con más de uno,
otros a punto de perderlo. El nombre los torna casi perfectos.
Anótame un dios sin nombre y de esto me hago cargo.
Serán bellos o tristes, vendados o traídos por la corte,
violentos o angustiados. Hay los que se sienten únicos
y se juzgan renacidos cada vez que el nombre es pronunciado.
Pues siendo iguales, los nombres también son distintos.
Los distribuyo cargados de ilusiones. Fábulas o decretos,
rúbrica de todo lo que somos o rechazamos. No te protege
el infierno del nombre cierto, traje con el que subes a la escena.


O tabelião

Um nome para as partes de teu corpo que emitem fogo,
outro para o rosto que se guarda de tais chamas.
Um nome que seja para o guia de tuas pernas flutuantes,
e outro mais para os campos que evitam tua morada.
Todos estarão felizes com seus nomes. Uns com mais de um,
outros a ponto de perdê-lo. O nome os torna quase perfeitos.
Aponta-me um deus sem nome e disto me encarrego.
Serão belos ou tristes, enfaixados ou traídos pela corte,
violentos ou angustiados. Há os que se sentem únicos
e julgam-se renascidos a cada vez que o nome é pronunciado.
Mesmo sendo iguais, os nomes também são distintos.
Distribuo-os carregados de ilusões. Fábulas ou decretos,
rubrica de tudo o que somos ou rejeitamos. Não te protege
o inferno do nome certo, traje com que entras em cena.